Você não é seu emprego

Perestroika
4 min readSep 6, 2018

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“O que você quer ser quando crescer”?

Essa é a pergunta que basicamente toda criança ouve durante a infância. Ninguém pergunta o que ela está aprendendo na escola, o que ela ama fazer, como ela acha que seu futuro pode vir a acontecer — querem saber o que ela acha que vai ser sua profissão.

“O que você vai prestar no vestibular”?

Essa é a pergunta que todo adolescente de 16, 17 anos recebe quando está no ensino médio. Ninguém pergunta como está sendo essa fase tão complicada. O que é o sonho da sua vida. Só querem saber qual faculdade que ela vai prestar e se ele está estudando o suficiente.

“E aí, o que você faz”?

Essa é a segunda pergunta que você faz — depois de perguntar qual o nome — para qualquer pessoa nova que você conheça. Ninguém quer saber qual seu hobby, qual perturbação que te deixa acordado à noite ou qual seu sabor de chocolate preferido. Querem saber o que que te paga um salário todos os meses.

E a grande maioria de nós segue nossas vidas, vivendo em um modus operandi automático, sem muitas vezes questionar o que estamos fazendo ou o mais importante — por quê estamos fazendo.

Foi só quando eu ouvi o podcast incrível das mulheres do Mamilos que entendi a inquietação que sempre senti no meu peito. “Você não é o seu trabalho” é uma conversa com pessoas maravilhosas, mas faço uma menção especial para a Hilaine Yaccoub, doutora e mestre em Antropologia do Consumo pela Universidade Fluminense.

A antropóloga reitera a importância de diferenciar trabalho e emprego. Trabalho é tudo o que está ligado a construção de uma carreira, enquanto emprego é quando estamos inseridos numa ocupação que não tem uma carreira envolvida — ou seja, é o que está te remunerando naquele determinado momento, mas não necessariamente inclui plano de carreira, consciência de classe ou satisfação pessoal. É a diferença entre “ser” e “estar sendo”.

Nosso trabalho é diretamente ligado a nossa identidade como seres humanos, até por uma construção histórica dos nossos antepassados. É que o dá orgulho de ser e que não se relaciona diretamente com sua remuneração monetária. De acordo com a antropóloga, “nos classificamos e somos classificados a partir do nosso trabalho. É um definidor de quem você é no mundo”. É o famoso “faça o que você ama e não terá que trabalhar um dia na sua vida”. Mas será que isso é verdade? Será que todos nós conseguimos encontrar o tão falado “emprego dos sonhos”? Será que conseguimos colocar a nossa identidade no que fazemos diariamente?

Toda a pressão social em cima do que fazemos e a necessidade de se encontrar a cada minuto causa transtornos gravíssimos. O trabalho se misturar com a nossa própria identidade agrava, ainda, as doenças críticas do nosso século como depressão, ansiedade e síndrome do pânico. Uma possível ausência de trabalho ou a falta de contemplação pessoal no que você faz acarreta em crises de identidade que são, constantemente, reforçadas na sociedade em que estamos inseridos.

Dados de 2017 mostram que cerca de 30% dos brasileiros sofrem com a síndrome de burnout. Vivemos em mundo onde nosso sucesso é medido pela quantidade de horas que trabalhamos, pela quantidade de projetos entregues, pelas promoções de cargo ofertadas. Ninguém quer saber se o seu filho disse a primeira palavra ou se você finalmente teve coragem de fazer aquela aula de teatro que você sempre quis. Querem saber de números. De entregas. De tangibilidade.

Mas, se para muitos o trabalho se constitui como parte da nossa identidade, como moldar algo a nosso favor? Cada vez vem sendo discutido o paralelo entre qualidade de vida e trabalho. Há uma onda crescente de campanhas de conscientização de saúde mental e cada vez mais empresas investindo no bem-estar dos funcionários, criando espaços mais flexíveis, colaborativos e criativos. Em um mundo onde os millennials e a geração Z dominam e ditam cada vez mais as tendências do momento, é importante prestar atenção no comportamento dessa faixa da sociedade buscando entender qual o futuro que querem para si. Como eles gerem projetos? Como eles constroem relações de trabalho? Como enxergam produtividade e flexibilidade? Precisamos estar atentos para se adaptar à nova realidade de trabalho que chegou.

O futuro não está vindo. Ele já está aí.

  • A Amanda, autora deste texto, é a atual coordenadora do curso Chave Mestra, que vai rolar em São Paulo em novembro. Se você quiser saber mais informações: chega mais!
  • Subversiva, criativa, sensível e do bem! Essa é a Perestroika

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Written by Perestroika

Escola de atividades criativas.

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