Terapia com MDMA

Perestroika
5 min readFeb 27, 2018

--

Pacientes de Transtorno de Estresse Pós-Traumático podem encontrar tratamento eficaz com uso supervisionado de MDMA. O pesquisador Eduardo Schenberg está recrutando pessoas que queiram ser voluntários na pesquisa.

Ela vinha andando pela calçada, sentia-se cansada e queria chegar em casa, tomar um banho, relaxar. Ele vinha logo atrás, a passos firmes e obstinados, talvez imaginando o banho dela, sem perceber nada mais ao seu redor. E sem ser percebido… Em poucos instantes, ao menos, uma vida iria rachar drasticamente, com a força do agarrão se perpetuando por décadas, reverberando em pesadelos frequentes. Dali em diante, sons de passos em calçadas seriam distorcidos pelo pavor. Caminhar sozinha seria desafiador e a rotina diária seria frequentemente interrompida por abruptas taquicardias, sudorese, medo, tontura e raiva quase incontrolável. Em busca de alívio, ela iria recorrer à terapia, onde precisaria falar sobre o evento. A cada tentativa, angústia e, talvez, frustração por não conseguir sequer pensar no assunto, quem dirá contar para outros. Imobilidade, sudorese, taquicardia, solidão, impotência. Tudo parece voltar a acontecer, mas dentro do consultório.

Ela também toma remédios. Um para ajudar a dormir livre dos pesadelos — ou ao menos para despertar sem lembrar deles. Outro para tentar levantar um pouco o estado de espírito e manter as engrenagens da rotina girando, mas nem sempre os remédios caem bem. Efeitos adversos quase sempre acontecem. Daí vem um terceiro para minimizar o desconforto estomacal. E assim por diante, a conta na farmácia vai se elevando, enquanto a situação tarda em melhorar. Amigos se afastam, relacionamentos afetivos esfriam, cuidar dos filhos se torna muito difícil. Perder emprego, passa a tornar-se provável. O que fazer então? Psicoterapia com MDMA. Pois é isso mesmo. Uma terapia com a droga mais conhecida como ecstasy. Mas cuidado, como explico na entrevista abaixo, MDMA não é a mesma coisa que ecstasy, porque drogas proibidas são contaminadas com intoxicantes. No ecstasy, pode haver mais de 200 intoxicantes diferentes, além de, frequentemente, nem haver MDMA nestes comprimidos.

Entretanto o MDMA puro, fabricado com controle de qualidade e usado em dosagem adequada com supervisão terapêutica, é uma das mais impressionantes inovações psiquiátricas no mundo. De acordo com a Food and Drug Administration (FDA), o famoso órgão do governo dos EUA, que regulamenta drogas e alimentos, a Psicoterapia Assistida com MDMA é uma inovação radical digna de nota. Em desenvolvimento experimental há mais de dez anos, a abordagem combina psicoterapia, música e os efeitos peculiares desta substância para tratar vítimas de trauma grave.

Psiquiatras chamam isso de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). Uma condição potencialmente grave e crônica que não afeta apenas as mulheres, mas vítimas de sequestro, tiroteios, violência doméstica, desastres naturais e guerras. Infelizmente, o TEPT é a realidade de muitas pessoas no Brasil: cerca de 5% da população de grandes metrópoles brasileiras, como São Paulo e Rio de Janeiro, de acordo com estudos bem feitos por pesquisadores da UNIFESP. E alguns convivem com o transtorno, as terapias e os medicamentos por décadas: os tratamentos atuais são eficazes para cerca de 30% dos pacientes e podem durar muitos anos.

Para uns indivíduos, o peso do trauma pode diminuir nos primeiros meses e gradativamente a pessoa se recuperar e volta a levar uma vida normal com ou sem terapia e medicamentos. Já para o paciente de caso mais grave, a recuperação pode parecer inatingível. Assombrado por pesadelos, sufocado por um embotamento afetivo e emocional que dificulta todas as relações pessoais, pressionado por desejos de fuga e escape e assaltado por ataques de pânico, agressão e raiva, estes pacientes podem subitamente agredir outras pessoas ou ferir a si mesmos.

Entretanto, resiliência é uma arte e desenvolver uma terapia que propicie isso a pacientes de trauma grave é o estado da arte da neurociência. O MDMA intensifica as emoções e acelera o raciocínio. Pessoas saudáveis em ambientes festivos e lúdicos, onde se sentem seguras e rodeadas por amigos, relatam sentir êxtase. Mas para pessoas com ansiedade, humor em baixa ou passando por períodos difíceis, pode não ser bem assim. O MDMA pode aprofundar também o sentimento de emoções desafiadoras, como frustração, medo e tristeza. Para pacientes traumatizados, pode ser muito desafiador, mas, quando isso acontece num consultório, guiado compassivamente por dois terapeutas e direcionado por músicas instrumentais evocativas cuidadosamente selecionadas, muitos pacientes atingem insights reveladores e podem melhorar muito, chegando até mesmo a se livrar por completo do diagnóstico de TEPT.

Pois é. Ciência é assim, por vezes, nos leva a descobertas inesperadas. Pois agora esta droga de uso, venda e distribuição proibidas é uma grande esperança para milhões de pacientes que sofrem com o TEPT crônico e intenso (somente em São Paulo e Rio de Janeiro estamos falando de cerca de um milhão de pessoas). Os resultados até o momento são inspiradores: mais de 70% de sucesso entre pacientes que não responderam anteriormente com outros métodos. E num intervalo relativamente curto: 3 meses de tratamento. Em 12 semanas, os pacientes passam por 15 consultas de terapia, três delas tomando MDMA no consultório. Estas consultas com o MDMA duram 6 a 8 horas, e os pacientes são acompanhados por dois terapeutas, um homem e uma mulher, especialmente capacitados. Antes do MDMA, passam por três consultas preparatórias de 90 minutos cada, e após cada sessão com MDMA, mais três consultas de terapia sem a substância, também, de 90 minutos. E toda vez que tomam MDMA tem ainda um médico de prontidão na mesma clínica para qualquer emergência. O que, por enquanto, só aconteceu uma vez em mais de mil sessões terapêuticas com MDMA nas pesquisas científicas nos EUA e o paciente ficou bem.

Após mais de três anos de trabalho intenso e persistência, com apoio de mais de 400 doadores, importamos MDMA com autorização da ANVISA. Estamos agora recrutando pacientes brasileiras ou brasileiros que queiram, voluntariamente, participar deste tratamento, em Goiânia, de forma gratuita. Interessados podem enviar email para eduardo@plantandoconsciencia.org que explico mais e tiro todas as dúvidas. Depois agendarmos uma consulta inicial de triagem, onde será averiguado se cada paciente atende critérios aprovados pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) para poder participar do estudo com segurança e, esperamos, se ver livre do trauma ainda em 2018.

Eduardo Schenberg é neurocientista e estuda os potenciais terapêuticos das drogas psicodélicas.

--

--

Perestroika
Perestroika

Written by Perestroika

Escola de atividades criativas.

Responses (2)