Processo criativo não é uma caixinha de surpresas
Quem me conhece sabe que sou professor da Perestroika há mais ou menos 3 anos. Já dei aula no Refresh, New Ways of Thinking, Empreendedorismo Criativo, Da Lama ao Caos, mas acho que a aula que ficou mais famosa é a “Pensando Dentro da Caixa”, do Yakuza, curso de imersão em processos criativos.
Eu trabalho com psicofarmacologia, que é um ramo da neurociência que entende como as substâncias agem no cérebro. Bem especificamente, tenho dedicado minha vida a entender como as substâncias presentes na maconha (a famosa Cannabis sativa) agem no cérebro. Nós temos um sistema endocanabinóide no organismo, no qual os componentes da planta agem, e que podem ser usados terapeuticamente para uma série de patologias. Se tiver interesse nesse tema, tenho certeza que você vai adorar o conteúdo que posto aqui
Por isso, a aula do Yakuza recebeu uma tagline de “Neurociência da criatividade”, ou seja, a visão de um neurocientista sobre a criatividade. E, de fato, as pessoas curtem muito saber o que se passa no cérebro durante os diversos estados mentais que ocorrem quando estamos criando. Uma das principais questões que abordo é a falácia da dicotomia entre “lado esquerdo e direito do cérebro”. Acho que o Bruno Araldi captou bem a mensagem nesse post que vale a pena ser lido.
Além de falar um pouco sobre estados mentais, cognição, emoção, criatividade e a relação entre isso tudo, o desafio que a Perestroika fez quando me convidou para falar sobre isso foi: Queremos conhecer o seu processo criativo. Como você organiza seus pensamentos unindo o que você sabe de neurociência, design e etc.
Foi um baita desafio e aí me dediquei a olhar para dentro e tentar entender o que eu faço quando algo fica realmente muito do caraleo.
Essa é a mesa da cozinha onde trabalhei por algum tempo criando a aula. Quer saber como organizo meus pensamentos? É algo bastante caótico, mas existe um processo subjacente, pode acreditar.
Admito que, além da neurociência, tive bastante influência do design nesse processo e tudo o que eu fiz para aula foi traçar paralelos entre as etapas preconizadas pelo duplo diamante do design e os estados mentais subjacentes. Sim, isso é muito do caraleo, mas o mais transformador, de verdade, foi olhar para dentro e tentar entender o meu próprio processo criativo, algo que é super libertador/encorajador e todo mundo pode fazer. Diria até que todo mundo deve fazer.
De modo geral, podemos dizer que o meu processo criativo envolve quatro etapas bem definidas:
- Exploração: buscar recursos em todos os lugares possíveis e inimagináveis
- Divagação: dar uma leve pirada sobre o tema, desconstruir e achar os elementos principais
- Síntese: encontrar uma perspectiva interessante, contar uma história
- Fazer: sentar a bunda e produzir um roteiro, storyboard e depois uma apresentação em Keynote.
Durante esse processo, o cérebro alterna entre estados mais desfocados/lúdicos (como na divagação) e mais focados/produtivos (como na síntese). Em alguns casos, um misto de ambos como quando a gente faz um ciclo de prototipagem rápida e busca alternativas.
Entender em que etapa estamos e que o cérebro precisa estar plenamente engajado em uma coisa ou outra torna a atividade muito mais produtiva. Do ponto de vista energético, uma das coisas que mais custa ao cérebro é a “troca” de estado mental. É legal se engajar em tarefas diferentes, mas uma de cada vez. O multitasking intenso cobra seu preço no desempenho cerebral.
Isso ocorre, porque as redes envolvidas em divagação e no foco são redes antagônicas no cérebro, elas possuem uma propriedade de anticorrelação, ou seja, quando uma está ativada, a outra está inibida e assim sucessivamente. Então, para ter uma alto desempenho do cérebro, o melhor é “mergulhar” na etapa do processo criativo. Ou divagando ou focado e dar uma pausa entre elas para respirar e trocar o estado mental.
Trocar de ambiente e associar um lugar, atividade ou qualquer tipo de ritual a um processo ou outro também ajuda. Vou dar um exemplo bem típico: não adianta pegar no meio de um dia cheio, em que já se fez um monte de coisa chata e rotineira, com a cara cheia de café e dizer: “Tenho 15 minutos antes da próxima reunião, vou sentar na frente do computador e ser criativo.” É forçar a barra e essa tática, simplesmente, não funciona.
Muito diferente de acordar num dia relax e depois de passar a tarde lendo, estudando e ruminando um assunto durante o sono. Neste caso, você vai acordar com a cuca fresca, tomar um café da manhã leve e sair para caminhar para pensar em uma solução alternativa para aquele pepino que está tentando resolver.
Depois do insight, aí sim, você vai para o escritório, enche a cara de café e se debulha sintetizando a estratégia, com seu melhor approach analítico. Mas fazer tudo junto ao mesmo tempo, dá merda.
Não acredita em mim? OK, mas dá uma lida nesse estudo de Stanford.
Tem mais um truque, um detalhe bem particular meu e que não é recomendável para cardíacos, porque dá um frio na barriga imenso. Toda vez que eu apresento uma coisa que já apresentei, particularmente aulas, eu mudo alguma coisa. A auto-sabotagem é um truque que eu uso pra manter o nível de alerta lá em cima. Geralmente, eu adiciono alguma atividade, testo uma narrativa nova, conto alguma parte de maneira diferente, troco/tiro/adiciono slides. Varia, mas alguma coisa eu faço. Isso me ajuda a manter um estado de excitação alto, aumenta a consciência no momento e faz o delivery ser mais emocional, mais engajado. Isso é bem conhecido da neurociência já faz tempo, chama-se Lei de Yerkes-Dodson, que diz que um pouco de ansiedade é bom para o desempenho. Além disso, há um estado ótimo a partir do qual a ansiedade começa a afetar negativamente o desempenho. Por outro lado, estar muito relaxado também é ruim. Isso vale em geral, mas uma dica: quanto mais difícil a tarefa para o seu nível de conhecimento/habilidade, o nível de ansiedade ótimo é mais baixo. Qualquer semelhança com a teoria do Fluxo, de Mihaly Csikszentmihaly, não é mera coincidência, pois ambos descrevem um fenômeno psicológico-fisiológico bastante semelhante.
Então, para mim, certo grau de improviso é bastante importante e eu uso como ferramenta fundamental de engajamento. É uma auto-sabotagem, é foda, mas funciona. Gosto de resumir isso numa frase que é: “Se vai fazer de novo, faça diferente”.
Isso é a teoria. E acho que se você leu até aqui, esse post já valeu a pena pra caramba. Mas não é sempre que as coisas funcionam assim de maneira tão estruturada, não é mesmo? Pois é, para terminar vou contar uma história recente de algo que tinha tudo para dar errado: tive que fazer uma apresentação recente, em um modelo mais formatado, pré-concebido para ser meio padronizado, o TEDx.
Eu tenho ojeriza à padronização, fujo disso como o diabo da cruz e o fato de ter que meio “decorar” todo o texto para entregar sempre da mesma maneira, ter de fazer um roteiro fixo, ensaiar e tudo mais me deixa meio travado. Eu só não sabia o quanto. Até já li o livro do TED sobre apresentações e entendia bastante qual era a proposta. Tive um coach para fazer a apresentação que desconstruiu bastante o que eu já tinha de ideias e narrativas sobre a Cannabis medicinal, como disse, meu tema principal de estudo, mas, cara, na hora do vamos ver, a coisa pegou.
Estava meio sem tempo para ensaiar, com outras mil coisas na cabeça e resolvi fazer um roteirinho só com bulletpoints e mandar um áudio disso para pessoa da organização que estava me orientando. 100% de improvisação era um risco muito grande pra se correr em uma apresentação tão importante quanto essa, que vai pro site do TEDx, e eu precisava dar um mínimo de conforto para os organizadores de que tudo ia sair bem. Fiz o áudio do celular mesmo, 10 minutos de improviso orientado pela listinha de bullet points. BANG! De primeira, lindo, fluido e emocionante. Pensei: “Tô bem, tudo certo!”. Fiquei feliz e aliviado. Qual foi o problema? Repetir a performance. Como faz?!? Essa parte aí eu não aprendi direito na escola.
Foi foda. Eu fico nervoso só de pensar na situação. Tive que ensaiar, tive que decorar uma parte, apresentar de costas para a tela e sair totalmente da minha zona de conforto, do meu processo criativo em frente a 500 pessoas e a uma audiência muito maior pela internet. Foi uma experiência levemente aterrorizadora. Depois de trocentas palestras, essaeu valorizei tanto que o desafio pareceu maior do que seria. Como diz meu amigo Marcelo Quinan, também professor do Yakuza: “Um certo grau de desdém também ajuda”. Se quiser ver como me saí nessa saia justa, completamente, fora da minha zona de conforto, tá aí o vídeo:
A primeira vez no TEDx a gente nunca esquece. Nem a internet deixa, porque fica lá no youtube.
Acho que foi a apresentação mais travada que já fiz, gaguejei e errei várias vezes, mas acho que no final até que saiu tudo bem. A pizza de suor embaixo do braço não me permite mentir que não estava nervoso e essa reação está prevista na curva de Yelkers-Dodson, é o que a gente chama no livro texto de “resposta fisiológica autonômica do sistema nervoso simpático”. Mas não faz mal, mesmo suado e nervoso consegui dar o meu recado. Sou ruim de piada, mas a capacidade de fazer auto-ironia e me expor ao ridículo é um dos pontos que me faz forte.
Para ser um pouco instrumental e ajudar o amigue que queira conseguir implementar as técnicas que uso, abaixo vão as ferramentas sugeridas pela IDEO para você utilizar em cada etapa do processo criativo (diagrama e toolkit completo). Acho que vale como guia, mas, de verdade, o que funciona é olhar para dentro e tentar entender: “O que eu fiz naquela vez em que fui muito foda? Naquela vez em que todo mundo adorou e fiquei orgulhoso? Essa é a pergunta que deflagra o processo de autoconhecimento necessário para que a gente se sinta seguro durante a montanha russa de emoções que é criar algo novo.
Método: ele existe, use as ferramentas disponíveis, mas encontre o seu. Isso é o que funciona de verdade.