OS EFEITOS DA DROGA NA MENTE DE UMA CRIANÇA DE 7 ANOS
Um ensaio em 7 capítulos
PRÓLOGO
Quando esse ensaio ficou pronto, mostrei para algumas pessoas para recolher feedback. Recebi várias indicações que o texto estava muito grande, que as pessoas na internet estão querendo coisas mais rápidas, que dê para consumir em pouquíssimos minutos. A sugestão foi a de que o texto fosse editado. Isso garantiria um alcance maior em termos de audiência e interações.
Para mim, isso resume o contexto da discussão sobre drogas no Brasil hoje. Muita interação, mas de maneira superficial. Ninguém parece fazer o movimento para realmente se debruçar e conversar SERIAMENTE, com o cuidado e atenção que o assunto pede.
Quando o assunto é DROGA, não estamos precisando de mais audiência e interação.
Estamos precisando de mais consciência.
Então, se você está interessado em começar a se conscientizar sobre o tema, senta que lá vem textão.
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CAP 1: PORTA DE ENTRADA
Eu me lembro a primeira vez que tive o contato com DROGAS. Não diretamente com as drogas, mas com o assunto drogas.
Isso aconteceu em 1985 e eu tinha 7 anos de idade (sim, sou a criança do título).
Domingo de noite, assistia ao Fantástico na sala com minha família. Teve uma reportagem sobre Elvis Presley. Talvez fosse o aniversário da morte dele. Entre um monte de coisas que falaram, teve algo que, na minha cabeça, ficou registrado como AS DROGAS MATARAM ELVIS PRESLEY.
Acho que naquela época eu deveria ainda estar desenvolvendo o entendimento sobre a morte. E tentando ainda aceitar a ideia de que um dia todos iríamos morrer. De velhinho, de doença, de acidente. Mas ninguém tinha me alertado que dava para morrer de drogas. Aliás, o que são drogas?
Minha mãe não fugiu do assunto e tentou explicar usando os recursos didáticos, cognitivos e morais que ela tinha. Algo na linha de “drogas são como remédios, mas que se tomamos sem controle pode fazer muito mal.”
Eu fiquei apavorado. “Estou com medo das drogas”.
Minha mãe, obviamente, tentou me explicar que não era preciso ter medo. Que a gente é que escolhia se ia se aproximar desse “mundo” ou não. Que, no final das contas, a decisão era nossa.
Mas não deu certo.
Essa conversa em um domingo à noite, precipitada por uma matéria sobre o Elvis Presley no Fantástico ficou gravada em mim. FOI A MINHA PORTA DE ENTRADA PARA UM MUNDO DE DESCONHECIMENTO E MEDO, que durou, pelo menos, 20 anos.
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CAP 2: JUST SAY NO
A partir desse momento, me tornei o filho modelo, desejo de qualquer mãe. Pelo menos com relação à minha postura com drogas.
Era contra. Contra o que mesmo? Não sei, contra. Minha posição era essa. Na época em que os trabalhos do colégio começaram a se tornar temas críticos, como adolescência, sexo, aborto, etc, fiz vários sobre DROGAS.
Num deles, na disciplina de educação artística da 7ª série, fiz um desenho que mostrava o mesmo personagem, desenhado de perfil, duas vezes. No primeiro quadro, ele estava limpinho, normal. No segundo, o mesmo perfil, mas agora com cabelo estilo punk moicano, fumando um cigarro, olhos raivosos, brinco na orelha e uma seringa cravada no nariz (a referência era o Bob Cuspe). O título dizia “NÃO SE VIRE PARA A DROGA, POIS A DROGA PODE SE VIRAR CONTRA VOCÊ”.
Recebi ótimos elogios com esse trabalho. Da minha mãe, com certeza. E da professora, que disse que eu tinha ótimo traço para quadrinhos (uma das coisas que me influenciou a prestar vestibular para Publicidade e Propaganda vários anos depois).
A ideia aqui é apenas ilustrar que meu medo gerou uma atitude totalmente pró-ativa em relação a minha posição sobre o tema. SOU CONTRA. É só dizer “NÃO”.
Na adolescência, quando descobria que colegas de aula andavam tendo suas primeiras experiências com algumas substâncias (lança-perfume e maconha), sentia um choque.
Um pouco era um sentimento de “meus colegas estão se perdendo e, assim como Elvis Presley, vão morrer”. Outro pouco era um medo de ver que as drogas estavam chegando perto de mim, do meu ambiente. Minha reação a isso foi a de parar de andar com essas más-influências. Deixar de andar junto. A de não falar.
E, assim, segui a vida, evitando os drogas e os ambiente que sabia onde haveria drogas. Postura que sempre mantive com convicção, até o final da minha faculdade. E olha que eu fiz faculdade de Publicidade e Propaganda em uma Universidade Federal. Em certos pontos, a população da galera com que eu “não andava” era maior do que as que eu “podia andar”.
Mas não havia remorso. Era isso que eu acreditava e tinha planejado para a minha vida. Porém, como diz meu amigo e grande humorista NANDO VIANA, “a vida, essa danada, não tá nem aí pro teu planejamento”.
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CAP 3: A JULIANA NÃO QUER SAMBAR
O primeiro ponto de conversão.
Carnaval de 1999, praia de Canasvieiras, em Floripa. Eu agora com 21 anos, pulando carnaval na boate Whiskadão, conheço a Juliana. Fico com a Juliana. Transo com a Juliana. E me apaixono pela Juliana.
Na volta do verão, Juliana e eu começamos a namorar. Era a minha primeira namorada. E era muito diferente de mim, em muitos aspectos. MUITO diferente. Em MUITOS aspectos.
O que interessa para essa abordagem aqui é que Juliana era uma maconheira. Dessas que era vista pela família como “a filha problema”. A questão da maconheirice dela era um trauma em casa.
E foi um problema para mim tb, quando descobri isso. Levou algumas semanas. E eu já estava apaixonado antes de descobrir. Apesar do medo, talvez, um pouco pensando algo como “eu posso ajudar a Ju a se livrar dessa”, e com a certeza que não poderia ser influenciado, decidi que queria, sim, namorar ela. Essas coisas que o amor faz.
Corta a cena e:
O NAMORO COM A JULIANA FOI UMA MERDA.
A gente era realmente bem diferente. No relacionamento, ela foi super abusiva comigo (sim, isso existe) e fiquei bem mal estando com ela. Por diversos motivos, mas não por causa da maconha. Nesse sentido, foi o contrário. E eu explico.
Veja bem, a galera da Ju era bem o tipo de gente que eu havia evitado me relacionar pelos últimos 14 anos, dos 7 aos 21. Namorando com ela, acabei convivendo com essa galera. E vendo eles consumirem muitos baseados.
Vendo de perto o que acontecia entre eles, eu notei que ninguém ficava completamente insano, louco e sem controle ao fumar. Era um ambiente muito mais leve nesse sentido do que as festas de faculdade que eu ia, onde a galera ficava bêbada. Eu notei que dava para conviver. Que as conversas eram boas. Que tudo estava tranquilo. E que tinha algumas pessoas do grupo que eram bem legais.
Nesse momento, houve uma dissonância cognitiva muito forte.
Todo o universo e o ambiente que eu havia imaginado que acontecesse no MUNDO DAS DROGAS não apareceu. O comportamento que eu imaginava dos DROGADOS não veio à tona. E a conclusão para mim foi “opa, tem alguma coisa errada aí. Talvez tenha mais coisas que ninguém tenha me contado”.
Então, apesar de o meu namoro com a Juliana ter sido traumático e ter me deixado várias cicatrizes, hoje, eu acho que ela apareceu na minha vida para isso. Para desbloquear o preconceito que eu tinha com o tema.
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CAP 4: O AGENTE DA NARCÓTICOS QUE BEBEU LEITE
O segundo ponto de conversão.
A partir da Juliana, entrei num processo que levou 12 anos para se cristalizar.
Ou seja, dos 21 aos 33 anos de idade.
Com o término do namoro com a Ju, passei a dar muita atenção à minha profissão. Estava trabalhando em uma grande agência de propaganda do RS. Minha vida adulta começa de fato.
Formatura, trabalho, profissão, salário, dinheiro, independência, viagens, festas, etc. Tudo isso sem mais tanto medo de trocar ideias e interagir com usuários de maconha.
E graças a Deus! Porque teria deixado de interagir com algumas das pessoas mais competentes, inteligentes, produtivas e interessantes que conheci até hoje.
No começo, eram mais publicitários, artistas, designers, cineastas e músicos. Mas, aos poucos, pessoas de negócios, administradores, advogados, psicólogos, contadores e até atletas.
Era uma galera que fazia o uso recreativo. E que até tinha um discurso mais ativista pró-legalização. Mas, na real, sem muita profundidade.
Sem muito embasamento. Mas com muito baseado.
Naquele ponto, minha posição com relação ao assunto era de TOLERÂNCIA.
Eu tolerava que vários amigos usassem algumas drogas ilícitas. Não achava legal, mas não ia deixar de ser amigo deles por esse motivo. Tipo quando na década de 80 alguém dizia “pode até ser gay, desde que não venha me incomodar”.
Foi, então, que fui apresentado a 3 filmes documentários que mudaram de vez a minha visão com relação ao tema. Foram os filmes GRASS, THE UNION e IN POT WE TRUST.
Os dois primeiros são docs clássicos e altamente conhecidos dentro da cultura canábica:
- GRASS explica o histórico do processo de criminalização da maconha nos Estados Unidos, explicando todos os interesses por trás desse movimento e tb explicando como nasceram algumas “verdades absolutas”que a opinião pública tem ao seu respeito, como “você vai enlouquecer, vai perder toda a motivação e vai procurar drogas mais pesadas”.
- THE UNION apresenta o mercado underground do cultivo, venda e tráfico da cannabis tendo como ponto de partida o cenário de British Columbia, uma província canadense que foi famosa por sua política de tolerância com relação ao uso dessa substância.
Já IN POT WE TRUST é mais desconhecido e mostra a saga de um lobista pela aprovação de leis que regulem o uso medicinal de cannabis. Vemos toda a trajetória dele e como é difícil se tocar no assunto. Quando o filme apresentava pacientes com convulsões antes e depois do uso, era de chorar.
Esses filmes me apresentaram muitos questionamentos. Centenas deles. Não daria para traduzir aqui. Mas vou citar pelo menos um, para você entender: em uma cena de The Union, um entrevistado chamado Jack Cole, que foi agente disfarçado da Superintendência de Narcóticos do Canadá diz o seguinte: “Dizer que a maconha é uma porta de entrada para a cocaína é a mesma coisa que dizer que o leite foi minha porta de entrada para o álcool”. Foda ver um policial dizendo isso, né?
Ao ver tudo isso, minha reação foi de extrema decepção. Com o Fantástico, com a minha mãe, com meus professores, com todo o sistema que me ENGANOU A VIDA TODA.
Sei que parece exagero agora. Mas imagina vc descobrir com 33 anos que foi adotado. Eu me senti realmente ENGANADO. E de propósito. Quase tudo que me disseram e me alertaram sobre drogas não estava apenas sendo um exagero. ESTAVA ERRADO.
Aí, eu decidi que queria saber tudo sobre drogas.
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CAP 5: UM GAÚCHO, UM CATARINENSE E UM PAULISTA ENTRAM NA FARMÁCIA…
O terceiro ponto de conversão.
Os 3 documentários que citei no capítulo anterior podem ser o ponto de partida para qualquer um que tenha interesse em aprofundar seu conhecimento sobre as drogas, falando especificamente da maconha.
No intuito de estudar sobre drogas, hoje já assisti a mais de uma centena de filmes e documentários sobre o tema. Mas, até hoje, são esses 3 que me lembro. Fica a dica para todos vcs.
Se já assisti tudo isso de filmes (mais de cem), você pode concluir aí que durante esses últimos 7 anos, dos meus 33 até agora, dediquei muito do meu tempo livre para me informar seriamente. E, nesse processo, preciso destacar duas grandes aquisições.
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Em 2012, estávamos abrindo uma unidade da Perestroika no Rio de Janeiro. Fui dar algumas aulas para a turma de Empreendedorismo Criativo. E um dos alunos dessa turma era o Fabrício Pamplona. Farmacologista, neurocientista e empreendedor catarinense que dedicou boa parte de sua vida acadêmica ao estudos dos receptores canabinóides dentro do cérebro humano.
O Pamplona era aluno, que virou amigo e que virou parceiro profissional, dando várias aulas na Perestroika. Além disso, foi ele que me apresentou o Eduardo Schenberg, biomédico paulista com mestrado em psicofarmacologia, doutorado em neurociências e pós-doc em substâncias psicodélicas. Ou seja, passou a vida estudando o efeito dos psicodélicos no nosso cérebro. Mais um que se tornou um grande parceiro e com quem desenvolvi o projeto do qual mais tenho orgulho em 2018.
E assim, como que por destino, me vi muito próximo e amigo de duas das principais mentes sobre o assunto no Brasil. Esses dois caras, com certeza. estão entre o 0.1% da população que mais entende de drogas no país inteiro.
Imaginem que essa foi a minha oportunidade de encher o meu próprio copinho. Conviver e conversar com esses dois me trouxe muita informação. Informação que nunca tinha chegado em mim. E que certamente nunca chegou a minha mãe, à família da Juliana, aos amigos da Juliana, e nem ao Elvis.
Hoje, me vejo como uma pessoa que domina o assunto mais do que a média da população. E não falo isso do ponto de vista da arrogância. Até pq não acho legal, gostaria que todo mundo soubesse bastante. Falo do ponto de vista de quem tenta diversas interlocuções, mas que observa que o ponto de partida para quase qualquer discussão sobre drogas é extremamente superficial, cercado de mitos, inverdades e informações completamente ERRADAS.
O que aprendi com o Pamplona e com o Schenberg é que enfrentamos um cenário muito pior do que A FALTA DE INFORMAÇÃO. O cenário é o da DESINFORMAÇÃO. Ou seja, não basta ter que provar que o mundo é redondo. Antes, tem que mostrar para as pessoas que ele não é plano.
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CAP 6: A PORTA DE SAÍDA
Hoje, me dou conta que a falta de informação do Fantástico, dos meus pais, da minha professora que desembocaram na minha própria ignorância me produziram vinte e poucos anos de medo e angústia. Me provocaram ansiedade, paranóia e preconceito (da minha parte). Afetou minha vida social e afetiva.
A minha ignorância provocou mais efeitos nocivos para mim do que as drogas.
(Se tem gente que ainda acredita que maconha é a porta de entrada para drogas mais pesadas, eu humildemente acredito que a informação é a porta de saída para debates mais leves)
É a porta de saída desse ambiente repleto de abordagens altamente equivocadas e de discussões totalmente infrutíferas e improdutivas. No final das contas, a sua avó e o ET Bilu tinham razão: busque conhecimento.
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CAP 7: BUSQUE CONHECIMENTO
Como professor e educador, acho que a questão das drogas deve ser tratada de frente e com urgência pelo nosso sistema educacional.
Se drogas são um assunto de saúde pública e segurança pública, já passou da hora de virar tema de educação pública também.
Hoje, dia 18 de setembro de 2018, eu dou a minha contribuição.
Pois hoje, a Perestroika lança o Que Droga É essa?
Um curso online que vai abordar com seriedade um tema que é tão sério na nossa sociedade.
A ideia é apresentar informações reais. Não é um espaço para opiniões pessoais. Apenas para fatos. O que a ciência realmente sabe e prova. Sem apologia e sem conservadorismo.
São informações que não chegam em quase ninguém. Sempre com base científica, mas de um jeito muito acessível. Fácil de entender. Porque o objetivo é ajudar qualquer mãe ou pai que precise ter uma conversa com sua filha de 7 anos sobre o assunto.
O programa foi todo montado pelo Eduardo Schenberg. E essa é apenas a primeira iniciativa de uma plataforma digital na qual pretendemos lançar ainda mais cursos sempre ligados a esse tema.
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Para mim, esse lançamento é a realização de um sonho.
Um sonho que venho sonhando há pelo menos 7 anos.
Um sonho para o qual dediquei muito tempo, energia, fosfato e dinheiro nos últimos 18 meses.
Um sonho que foi compartilhado pelo Eduardo Schenberg.
E pela Mônica Levandoski, Rafa Peruffo, Helena Kich.
Um sonho que foi compartilhado por mais de uma dezena de profissionais que passaram 2018 pesquisando, redigindo, fazendo roteiros, desenvolvendo site, filmando, revisando, desenhando, editando, fotografando. Você pode ver os nomes deles todos no final desse texto.
Pode ter certeza que tem muito, muito, muito trabalho feito.
Tem muita, muita, muita informação no curso.
Tudo feito com muito, muito, muito carinho e entusiasmo.
Porque precisamos muito, muito, muito poder conversar sobre drogas com nossos filhos sabendo das coisas que a medicina e a ciência já sabem.
Não há mais espaço para superficialidade.
Não há mais espaço para desinformação.
Não há mais espaço para boatos.
A não ser que vc acredite que a terra é plana.
Ou que Elvis não morreu.
- Felipe é o idealizador do curso Que Droga É Essa?