O QUE A ESCOLA QUERIA ENSINAR ME DEIXANDO DE RECUPERAÇÃO?
Quando fiquei de recuperação pela primeira vez, rolou um misto de decepção e raiva por parte de meus pais. Na escola, os professores selecionavam seus preferidos e tentavam os deixar separados dos “sem futuro”. Os reincidentes apareciam para nos acalmar com uma calculadora e fazendo contas parecidas com aquelas no fim do campeonato brasileiro para saber se nosso time seria rebaixado ou não. Todos nós estudávamos pelo medo de ser reprovado, nunca pelo prazer de estudar. Repetir de ano e se manter na mesma escola era ganhar o diploma de “burro” e ninguém queria isso. Eu nunca quis estar ali, embora sempre ouvisse que estava porque queria ou porque não tinha me esforçado o suficiente. Entretanto o senso comum era de que um dia eu me arrependeria por não ter sido o melhor e isso me faria aprender.
Então, era aquele caos mais parecido com aquele meme que mostra como todo mundo me vê.
Em casa, eu era o burro. Na escola, o desinteressado. Para os professores, o sem futuro. Para os amigos, o descolado e para mim mesmo… Ah! Para mim mesmo, era o que menos importava. Sem contar as pressões contextuais de drogas, pichação, problemas familiares e aquela pitada extra de ausência de autoestima. Eu até queria falar para a professora que não acreditava em mim e que realmente eu não queria estar ali, mas a resposta dela era sempre a mesma: “Tente se esforçar mais!” .
Fui para as aulas de recuperação que, na verdade, não eram aulas. A motivação dos professores era outra. Eles ficavam chateados, porque poderiam estar de férias, somado ao fato de que os alunos que estavam ali não eram os seus preferidos. E, para piorar, eles tinham que dar uma matéria que “teoricamente” já haviam ensinado. O clima, realmente, não era o dos melhores. No fim de cada aula, dava para sentir o alívio de ambos os lados. E foi lá que aprendi a fazer o primeiro lobby da minha vida; sempre ria das piadas sem graça, levava aquele biscoito de leite para dividir, copiava o dever todo e levava na mesa para corrigir. Mas, sempre, no fim de toda aula, minha professora falava: “Você não quer nada com nada, você precisa estudar”. Mesmo copiando tudo e levando para ela corrigir, conversando com ela, chegando cedo e saindo depois do horário percebi que a frase dela nunca mudaria. Chegou o dia da prova e eu ali com meu caderno de grampo, tentando imaginar como seria a prova. Sentei e comecei a responder.
Respondendo tudo de acordo com o que lembrava, o que não lembrava chutava. E assim foi a prova toda. Nota final? 6 … em História! Minha professora olhou para mim e disse: “Você não quer nada mesmo! Desta vez foi raspando. Até quando você vai continuar assim?”. Sai da recuperação feliz. Não dei muita importância para o que ela falou. Cheguei em casa e ninguém vibrou. Comecei a perceber que o que me motivava a passar de ano nunca foi o aprender, mas sentir como o olhar do outro me afetava. E, nesse fluxo, ganhei o ingresso para cursar o sétimo ano sem saber fazer uma conta de divisão ou interpretar um texto.
Enfim, entendi o motivo pelo qual a professora sempre falava que eu não queria nada. Ela percebeu em algumas aulas o que levei o ginásio todo para entender: As minhas notas nunca foram para mim. E isso significava que os meus resultados não me refletiam. E mesmo que eu fizesse tudo o que manda a cartilha. Chegando cedo, sentando na frente e copiando tudo nenhum dos meus esforços jamais foi capaz de me configurar como “estudante”. Percebi que estudar vai muito além do que me ensinaram na escola, embora a ela me cobrasse a dedicação de um estudante. Essa instituição não me ensinou a importância do estudar.
Até hoje não sei se qual a real lição da recuperação e se isso de fato tem a ver com a mensuração do que eu aprendi no ano ou se isso está mais ligado a quantidade de palavras que eu consigo decorar para executar uma avaliação. Entretanto estar em recuperação significa perceber a luz amarela sobre o propósito do que eu entrego e a compreensão de quem está recebendo minhas entregas.
Hoje eu percebo uma enorme contribuição desta realidade para o caos social em que vivemos. Enquanto notas forem mais importantes que pessoas, continuaremos a formar um exército de pessoas que não estão preparadas para as inúmeras variáveis que compõem o nosso cotidiano. Finalmente, compreendi que minhas notas camuflavam minha necessidade de aprender com propósito e não apenas passar de ano.
- Subversiva, criativa, sensível e do bem! Essa é a Perestroika