O FUTURO É FEMININO, O PASSADO É O WASHINGTON OLIVETTO | Jajá Menegotto
Polêmica da semana passada na minha timebolha: a entrevista do Washington Olivetto para a BBC Brasil.
Se tu não viu nada e acabou de pensar “sério que em 2017 ainda fazem entrevista com o Washington Olivetto?” ou “não me diz que ele falou do comercial do primeiro sutiã?”. A resposta, amigas e amigos, é sim e sim.
Obsolescências à parte, naquele dia eu resolvi fazer uma coisa que, para mim, é bad trip quase certa: me meti em uma discussão sobre a treta, em uma caixa de comentários do Facebook.
E fiz isto por dois motivos:
Um.
A entrevista me incomodou. Um ícone da propaganda brasileira, o cara da alô alô W/Brasil, falando em um grande veículo de comunicação que “Porsche é melhor que mulher” e daí pra pra baixo é, no mínimo, um desrespeito gigante com as mais de 100 milhões de mulheres do Brasil.
Dois.
A repercussão também me abalou. Ouvi muitas pessoas dizendo que o título (Empoderamento feminino é clichê constrangedor, diz Washington Olivetto) é caça-clique e que a jornalista foi vingativa e mal intencionada. Quer dizer então que o homem-branco-rico-heterossexual (nada contra, tenho amigos que são, mas que é o patriarcado em pessoa, é) vai lá e lança essas:
// “99,9% das mulheres no mundo gostariam de namorar com um homem bonito, inteligente, charmoso, rico, simpático, bem humorado e bom de cama.”
// “O empoderamento feminino está participando de qualquer reunião…”
// “Nos últimos anos, (…) surgiu fortemente a presença do politicamente correto, que muitas vezes é bem-educado, mas é chato…”
// “O consumidor pode e deve dar palpite, mas a principal função dele é consumir.
// “(…) o pessoal mais verdinho (…) elimina qualquer ideia que tenha uma conotação de irreverência.”
Ele diz tudo isto e a mancada é de quem? Quem está com más intenções? A mulher? Ele quer aparecer e ela é a caça-clique? Sério mesmo, gente? Eita, isso está no nível “a culpa foi da saia curta e do decote”.
Daí tampei o nariz e pulei na caixa de comentários do Facebook.
E, olha, preciso muito dizer que não foi bad trip, não. Pelo contrário, foi uma viagem boa e bem acompanhada de mulheres que se sentiram representadas e de uma galera que estava lá pelo diálogo, não pela disputa.
Dito isto, aí vai o que escrevi. Não quero que os Washingtons Olivettos concordem, mas seria ótimo se eles parassem para ler.
Também vou deixar meus gravetos sobre a polêmica.
// Clichê é reclamar do politicamente correto. Constragedor é comparar mulheres a Porsches. Chato é o sujeito que dá uma entrevista tão arrogante como esta.
// Pra mim, a matéria é menos sobre clickbait* e mais sobre backlash**. Ou seja, não acho que o título seja maldoso, acho que o Washington Olivetto que foi bem babaca mesmo, com seu anti-feminismo fantasiado de irreverência marota.
* Caça-clique, em tradução livre.
** Pra quem não sabe o que é backlash, foi esse texto da maravilhosa Joanna Burigo que me ensinou: http://bit.ly/2q1h7DF
// Uma ideia não tem como ser boa se ela humilha, constrange ou oprime alguém.
// Publicidade não empodera ninguém. Empoderamento não é um bastão que se recebe de outra pessoa, muito menos de uma empresa. Se for muito muito boa, uma propaganda consegue me ajudar a perceber o poder que eu já tenho, mas não sei (provavelmente porque um dia jogaram uma bigorna na minha autoestima). A publicidade pode ser o megafone de uma causa, pode ser uma ponte, mas nunquinha vai ser líder em um discurso.
// É tão deprê um dos nomes mais consagrados da comunicação não perceber (ou não querer ver) que as narrativas não vêm mais de um lado só, que nossa função é ser cidadãos, não consumir e que o poder está vindo de outras vozes (negras, gays, gordas, femininas, trans…).
// 99,9% das mulheres no mundo gostariam de namorar com um homem bonito, inteligente, charmoso, rico, simpático, bem humorado e bom de cama? Hahaha. Te digo que milhões de mulheres no mundo gostariam de namorar com uma mulher boa de cama, outras tantas gostariam de namorar com três homens, outras com dois homens e duas mulheres todos juntos na mesma casa, outras de namorar com um trans, outras não gostariam de namorar ninguém, etc.
// Nós não temos um botão de liga-desliga o feminismo. Portanto, levaremos ele a todas as reuniões, a todos os sexos, a todos os ônibus, a todas as ruas.
Beijo no coração.
Jajá Menegotto,
redatora, produtora de conteúdo, professora na “A Escola de Tudo” e Diretora de Whatever idealizadora do curso MUDA — a moda em movimento, da Perestroika.