Não existe negrx no Brasil
(É nisso que desejam que a gente acredite)
Faz alguns anos que deixei de acompanhar as telenovelas brasileiras. Tenho um outro tipo de vício: as séries. Elas não são melhores nem piores. Na verdade, podem ser até mais angustiantes, já que os episódios — muitas vezes — são liberados semanalmente e me deixam ansiosa pelo desenrolar da história. Enfim, não acompanho novelas, mas fiquei por dentro das discussões que aconteceram em relação ao elenco da atração chamada “Segundo Sol”, da Rede Globo. A grande maioria dos personagens é interpretada por artistas brancxs apesar de o enredo se passar na Bahia, estado berço da cultura afrobrasileira e localidade na qual 76% dos habitantes se declaram pretxs ou pardxs, segundo dados de 2013 do IBGE.
Não é preciso muito esforço para detectarmos aqui o primeiro problema: a ausência de protagonismo negro nas produções de audiovisual no Brasil. Quando convocados para algum trabalho, esta parcela populacional sempre interpreta tipos muito específicos de personagens: serviçais, pessoas na criminalidade, escravizadxs e indivíduos descolados de um contexto maior, ou seja, sem família e que não têm suas histórias de vida contadas. A mídia (quando ela quer) contribui para a desconstrução de paradigmas, mas aqui ela opera na lógica contrária ao reforçar, por exemplo, que homens negros são criminosos.
O robustecimento desse tipo de estereótipo tem consequências graves e reais. Esta semana, o ator baiano, Leno Sacramento, foi baleado na perna pela polícia soteropolitana por ter sido “confundido” com pessoas que haviam cometido um assalto na região pela qual ele passava de bicicleta. A atitude dos policiais é mais uma manifestação do racismo estrutural e institucional brasileiro, que é reafirmado todos os dias por nossa mídia.
Um levantamento feito pelo site UOL mostra que não chega a 8% o número de artistas negrxs trabalhando nas telenovelas das três principais emissoras do país. Há, também, escassez de representatividade tremenda entre roteiristas, diretores, produtores e isso contribui para o reforço de estereótipos relacionados à população preta, quando ela aparece na tela. A figura branca é entendida como universal, como aquela que se adapta a qualquer personagem, enquanto a negra tem sua versatilidade cerceada devido a um sistema racista histórico que nos barra de ocupar determinados espaços e não enxerga nossas potencialidades. (Quantos atores negros você viu interpretando personagens de Shakespeare?)
Somos constantemente colocados em um não-lugar, para o imaginário social brasileiro não nos encaixamos em posições sociais que não sejam as de subserviência. A invisibilização nos espaços de poder, o apagamento epistemológico e o extermínio são as ferramentas usadas para diluir nossa presença e contribuição para o país. Não somos vistos na mídia e quase não somos vistos em lugar algum, apesar de sermos 54% da população do país.
É preciso que haja diversidade nas mais diversas áreas de atuação, já ela carrega consigo um alto potencial de inovação e traz diferentes vivências e olhares para a construção de uma história, desenvolvimento de um produto ou resolução de um problema. A inclusão é urgente e já pipocam algumas iniciativas nessa direção. Agora pense: onde estão e que posições sociais ocupam as pessoas negras que você conhece?
*Subversiva, criativa, sensível e do bem! Essa é a Perestroika