FELIZ NATAL E UM PÉSSIMO ANO NOVO
Tem muita gente dizendo por aí que atingimos o fundo o poço. Que esse Brasil está um absurdo mesmo. Que essa safadeza toda é coisa do capeta. Que as pessoas estão perdendo a noção. Que tem gente que não sabe mais o seu lugar. Que nunca viu a coisa tão complicada. Que sente saudades dos militares. Que pior do que está não dá para ficar.
Pois bem, amigos. Trago péssimas novas.
É fim de ano. Época de refletir sobre o que passou. De projetar o novo ciclo que está prestes a romper. E é com toda essa energia na alma e no coração que venho aqui dizer para você com muita alegria que, sim, sempre dá para piorar. E é exatamente isso que eu desejo.
Para você, que pensa que esse mundo está ficando muito chato. Que não dá para falar mais nada que sempre tem alguém que se incomoda. Para você, que acha ruim ter que ouvir as palavras ditas por vozes que sempre foram caladas, abafadas, silenciadas e ignoradas, eu desejo que 2018 seja ainda pior.
Para você que acha que a vida sexual de uma outra pessoa é pauta para seus comentários, como se isso afetasse de qualquer maneira a sua vida. Que pensa que “podem até ser gays, mas não precisam ficar se beijando na frente de todo mundo”. Que se sente ultrajado por demonstrações públicas de carinho e afeto, como se carinho e afeto pudessem corromper, eu torço por um 2018 muito pior.
Para você que sente falta de disciplina e controle. Que pensa que “é isso que dá deixar todo mundo opinar”. Que acha que bandido bom é bandido morto. Que acredita na ditadura como solução. E que se inflama pelo Estado não acelerar os processos para armar seus cidadãos. Um 2018 muito pior aguarda você.
Para você que está achando um saco tanto debate político. Que se pergunta: por que tanta gente querendo falar de um assunto que não entende? Que odeia que a política tenha entrado na pauta do brasileiro, eu espero, do fundo do meu coração, que em 2018 seu sonho não se realize.
Se incomoda ser lembrado que a juventude negra é a que mais morre, é a que menos têm acesso à cultura, educação e saúde e que as mulheres negras são as que mais sofrem com feminicídio, que em 2018 você seja ainda mais lembrado e se incomode muito mais. Se está ruim pessoas dizendo que “coisa de preto” é estar nas faculdades, é ser doutor, é lecionar, cantar, atuar e conquistar, que seja um ano para mostrar que a senzala não é mais o lugar do negro.
Para você que pensa que maconheiro é vagabundo, todo drogado é doente, e que vibra com a repressão. Que se pergunta como é possível alguém ter uma autorização para fazer uma marcha a favor da legalização de uma substância psicoativa. Para você que se assusta ao perceber que, a cada dia, mais e mais países desistem da guerra contra às drogas, um terrível 2018.
Para você que prefere seguir ignorando a situação dos povos indígenas e, assim, ignorando os milhares de anos de sabedoria que poderiam fazer muito bem a você. Para quem acha que “esse povo tem mais é que arranjar ocupação e trabalho”. Para quem acha ruim ver classe média, pessoas brancas e intelectuais se inserindo, aprendendo, divulgando e ajudando a dar voz à cultura social, espiritual e medicinal de nossos irmãos tão mais experientes e sábios, que 2018 fique um pouquinho pior.
Para todos os conservadores. Para os que resistem à mudança. Para os que lutam com unhas e dentes para manter o status quo. Para todos os retrógrados. Para todos aquelas pessoas que parecem querer que o calendário ande para trás e que a gente volte no tempo, um recado meu:
Só existe um lugar para a gente ir: para frente. E só existe uma maneira de irmos: juntos. No dia 31 de dezembro deste ano, não será diferente. Você, eu e todos nós vamos juntos para 2018.
Meu convite é que você, eu e nós juntos possamos nos atualizar. Não estou falando de pensar a frente do tempo, o que desejo é bem mais básico: apenas honrar o tempo, o momento no qual já deveríamos estar. O ano é 2018 e o século é XXI. Mas às vezes, parece que estamos muito atrás. Tão atrás que nem parece que já estamos em uma era com 4 dígitos. Tipo, parece que é o ano 683. Sabe como se chamava esse tempo? Idade das Trevas.
Vamos fugir dessas trevas. Já era hora da gente estar resolvido com todas essas coisas. Já era hora de entender que a maioria das nossas diferenças são milimétricas. Já era não, já é. Já é. Já é tanto que na verdade, independentemente do meu desejo ou não, é o único caminho para o qual podemos avançar. Para frente.
Então, se você se sente desconfortável com o avanço dessas discussões, se você se irrita com discursos de equidade, se a liberdade ampla e irrestrita de pessoas diferentes de você lhe incomodam muito, prepare-se, porque em 2018 vai ser muito pior.
2018 será o pior ano.
São os votos sinceros do seu amigo Felipe Anghinoni,
o pior professor do mundo.