Bolsonaro está certo: não existe racismo no Brasil

Perestroika
5 min readJul 6, 2018

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No auge dos meus 22 anos, nunca pensei que concordaria com uma frase elaborada pelo pré-candidato do PSL à Presidência da República, Jair Messias Bolsonaro. De passagem em Fortaleza, o mito afirmou que não existe racismo no Brasil. Ele nunca esteve tão correto. Em um país onde a cada 100 pessoas assassinadas 71 são negras, o que temos é uma guerra declarada.

De acordo com o Atlas de Violência de 2017, nós (negros) possuímos 23,5% de chances maiores de sermos assassinados em relação a brasileiros de outras raças. Uma das estratégias estabelecidas pelo inimigo caucasiano é desestabilizar o nosso emocional ainda quando jovem. Por quê? Para que as nossas mortes possam ser justificadas no futuro.

Como assim?

“A carne mais barata do mercado é a carne negra” — Elza Soares

Desde cedo, somos doutrinados a crer que a nossa cor negra possui uma conexão com o que mais está errado no mundo: mortes, crimes e despreparo para realizar qualquer função. Ou vocês realmente acreditam que frases como “todo preto é bandido”, “é bem coisa de preto”, “preto é tudo igual” e suas variações não são orações bem articuladas pela mente de quem quer destruir uma etnia?

O nosso adversário é cruel — e olha que nem vou mencionar os olhares tortos que nossas crianças recebem quando entram na escola, shopping ou em qualquer local que não seja na sua própria casa.

Se você que está lendo este texto for homem, jovem, negro e de uma baixa escolaridade, a chance de não retornar para casa no final do dia é alta. Ainda não consegue acreditar em uma guerra declarada contra nós, o povo negro? Então vamos aos fatos:

Rio de Janeiro, 26 de Junho de 2018:

Em prantos e abraçada no corpo de seu filho, uma mãe implora por socorro no Complexo da Maré, zona norte do Rio de Janeiro. Seu filho Marcos Vinícius, de 14 anos e estudante do Ciep Operário Vicente Mariano, tinha sido alvejado por disparos de um carro blindado da polícia.

Enquanto clama por uma trégua e pede por ambulâncias no local, vê o inimigo caucasiano negar a assistência de unidades médicas. Aos poucos, mais uma mulher negra é obrigada a ver com os próprios olhos um filho partir. No final do dia, o nosso adversário conseguiu uma vitória e, provavelmente, uma menção honrosa será dada aos soldados (que são apenas peões nesse tabuleiro) pelos atos prestados em serviço.

Nessa data, nossos inimigos brindavam a vitória, mas como eles iam despistar a atenção do público que ainda não tinha percebido a guerra sangrenta que ocorria no país? A resposta é bem simples: vamos utilizar a segunda estratégia do nosso Quartel General Caucasiano (QGC).

Qual seria?

O compartilhamento de fotos de jovens negros portando armas, utilizando drogas ou apenas curtindo um baile funk em sua comunidade e alegar que o assassinado era, desde cedo, uma mente brilhante no mundo do crime. Já que “todo preto é igual” ninguém vai checar as fontes e a foto vai ser compartilhada rapidamente na Internet.

Grande do Sul, 17 de Setembro de 2017.

No dia 17 de setembro por volta das 1h 30 da manhã, no bairro Mario Quintana em Porto Alegre, Charles André Rosa da Rosa e mais dois amigos entraram para o número crescente de baixas nessa guerra.

Em suposto confronto com a Brigada Militar, Charles partiu desta vida com marcas de tiro no rosto. Essa é a assinatura do nosso inimigo. Quando os disparos são alvejados em nossos rostos, perdemos uma parte da nossa história, da nossa humanidade e acabamos sendo apenas alvos.

Charles era um jovem sonhador que buscava influenciar seus conhecidos através do esporte. Antes de partir como um ideal para quem o conhecia, ele fundou a Copa Safira. Charles era bem-vindo por onde passava.

Diferente dos casos que citei no texto, esse não houve grande repercussão. Quando jovens negros são assassinados no Rio Grande do Sul, o QCG não precisa entrar em ação, pois nesse Estado a versão dos peões da guerra é absoluta.

Rio de Janeiro, 28 de Outubro de 2015:

Naquela tarde de sábado de Outubro de 2015, 5 jovens negros saíram para comemorar o sucesso de um deles. Roberto de Souza Penha, de 16 anos, tinha recebido o primeiro salário de Jovem Aprendiz. Seus amigos Carlos Eduardo da Silva de Souza, de 16 anos; Cleiton Correa de Souza, de 18 anos; Wilton Esteves Domingos Junior, de 20 anos e Wesley Castro Rodrigues, de 25 anos, resolveram passar à tarde no Parque de Madureira.

Algumas horas mais tarde e, provavelmente, cansados após aproveitarem um dia inteiro com boas companhias, resolveram retornar ou, pelo menos, era o que esperavam. No caminho de volta para casa, os cinco amigos foram alvejados por 111 disparos vindo direto das armas de quem deveria protegê-los, Policiais Militares. O QGC precisava agir rapidamente. Eles precisavam aliviar a imagem dos seus peões, mas como?

A primeira tentativa foi associar a troca de tiros com os “BANDIDOS”. Porém, essa alternativa foi frustrada com a confirmação da perícia alegando que não houve disparos do veículo atingido. No final do dia, o roteiro seguiu o mesmo. Mais uma família negra chorando e o compartilhamento de fotos de jovens negros nas redes sociais.

Nossas vidas importam.

Bolsonaro estava certo: não existe racismo no Brasil, mas sim, uma guerra declarada contra nós. Escrevo esse texto sem saber se vou ter a possibilidade de retornar para casa no final do dia, mas acredito que é necessário correr esse risco.

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Written by Perestroika

Escola de atividades criativas.

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