Acabe com a escola dos seus sonhos.

Uma reflexão sobre o melhor processo de aprendizagem possível

Perestroika
10 min readJun 14, 2017

Passamos cerca de 17 anos da nossa vida em uma sala de aula. Mais do que isso: passamos cerca de 17 anos em um molde de sala de aula que foi concebido no século XVII. Mas esse não foi o primeiro conceito educacional que ergueu uma era.

E, provavelmente, não será o último.

A educação, assim como a sociedade, se reconfigura à cada mudança de era: momentos temporais da nossa história de bicho-humano que representam uma mudança significativa de mindset e comportamento coletivo. Isso quer dizer que, apesar de estarmos há 17 anos em uma sala de aula do século XVII, em tese, isso é algo temporário.

Não é a toa que já se discute muito sobre como seria a “Educação do Futuro”. Afinal de contas, se a educação é temporal, uma boa forma de ultrapassar um mindset predominante de uma era é idealizando sobre como deveria ser o modelo futuro. E isso é bem importante: prever o próximo-passo é uma boa forma de recriar o presente.

Mas isso também abre alas para outra linha de pensamento: se a educação vive de eras, como deveria ser a educação do presente? Qual é o atual zeitgeist educacional? Qual o conceito de educação a gente acredita que seria o melhor para nós, se fosse construído hoje, aqui e agora?

Essas não são perguntas tão improváveis de uma resposta; afinal de contas, se o conceito de sala de aula já pode ser considerado ultrapassado, isso diz mais sobre as possibilidades da educação do presente do que sobre uma possível educação do futuro.

O que move a educação?

“Filosofar é como tentar descobrir o segredo de um cofre: cada pequeno ajuste no mecanismo parece levar a nada. Apenas quando tudo entra no lugar a porta se abre.” — Ludwig Wittgenstein

Por mais que seja muito discutido que o motor da educação é o mercado de trabalho, o verdadeiro motor da educação sempre foi a filosofia. E a filosofia é (além da matéria que toda criança odeia) o estudo da vida. E como bem sabemos, a vida muda.

Sempre que um novo paradigma existencial se sobrepôs socialmente, os modelos educacionais se reformularam correlativamente. Seja com a eclosão do Revolução Francesa, no século XVIII, ou na fundação da Academia de Atenas, na Grécia Antiga, as mudanças de paradigmas educacionais sempre giraram em torno de mudanças fundamentais sobre a maneira como queremos encarar a vida (individualmente ou coletivamente) — elas que definirão as bases de seus valores, crenças, interesses e necessidades.

Em um papo mais reto, o que isso tudo quer dizer é: você muda o papel da educação toda vez que você muda de ideia sobre o que diabos você quer da sua vida. E isso diz muito sobre o papel da educação.

Qual o papel da educação da nossa era?

“Pensar na educação como uma preparação para algo que vai acontecer mais tarde é neglicenciar o fato de que os anos de sua vida não são um ensaio”. — Sir Ken Robinson

Se você muda o papel da educação toda vez que você muda o que quer da sua vida, podemos tirar duas conclusões:

  1. Uma sobre você.
    Se o papel da educação muda toda vez que você muda o que você quer da sua vida, o papel da educação é, em grandes partes, de responsabilidade sua. Afinal de contas, se você tem a expectativa de que seu professor conseguirá se adaptar para oferecer um conteúdo que preencha as expectativas de uma turma de 40 alunos, cada um deles com diferentes desejos e afinidades — e que, além disso, mudam e ressignificam esses desejos e afinidades de tempos em tempos — você muito provavelmente vai sair dessa frustrado.
  2. E outra sobre a “educação ideal para o nosso presente”.
    Podemos aqui idealizar qual seria a escola ideal para empreendedores, a escola ideal para processos criativos, a escola ideal para o mercado da moda, a escola ideal para quem quer fazer cerveja. Mas estamos aqui idealizando a melhor educação para o nosso presente. A educação do presente é caótica, inédita e constantemente mutável, de forma que a melhor escola para o presente é uma escola que cumpre o papel de criar, investigar, cuidar e personalizar o processo de aprendizagem, de acordo com as mudanças e os fenômenos caóticos do presente. Se o papel da educação muda toda vez que você muda o que você quer da sua vida, a melhor sala de aula talvez seja aquela onde você possa ser incentivado a exercitar a confiança na busca daquilo que você quer (agora) da sua vida.

Por isso que é praticamente impossível que suas expectativas sobre a vida estejam contempladas em qualquer grade curricular. A vida não tem passo-a-passos ou receitas de bolo. Na segunda semana de aula, a demanda coletiva já terá se reconfigurada — recriada pela experiência da semana passada.

Ou seja, à menos que a sua escola de fato seja sobre aprender a operacionalizar um passo-a-passo — um curso sobre como, de fato, fazer uma receita de alguma coisa — , a grade curricular sempre será responsável por frustrações: tanto em relação ao que você espera da educação, quanto ao que a educação espera de você. E bem sabemos que isso não funciona.

Talvez o papel da educação da nossa era seja o de se abrir para possibilidades: e isso pode ser mais empoderador do que você imagina.

As possibilidades da educação do presente.

O fato da sala de aula já ser considerada ultrapassada diz mais sobre as possibilidades da educação do presente do que sobre uma possível educação do futuro.

É quase óbvio dizer que o papel da educação do presente deveria ser de ajudar a humanidade a viver (e a conviver) bem a sua vida presente: se não fosse pelo fato de temos pouquíssima informação sobre como viver bem a vida que vivemos — apesar de vivermos a Era da Informação.

Faça a pergunta abaixo para as pessoas do seu Facebook e sinta se você se reconhece nas respostas. É um pequeno teste sobre o que as pessoas têm buscado (hoje) aprender para viver bem a vida que vive. E você vai reparar que, de fato, apesar de toda informação do mundo na mão, a gente ainda clama por uma educação mais personalizada.

Esse post foi feito ontem, às 19h; até agora, às 7h, o post teve 78 respostas. Tente imaginar uma escola onde, em uma semana, seria possível se deparar com pessoas investigando sobre os mais diversos temas, como:

  • Como ter paciência.
  • Como não procrastinar.
  • Como criar poder de síntese.
  • Como gerir procrastinadores.
  • Como cultivar agricultura indoor.
  • Como viver mais no presente.
  • Teoria de Redes
  • Como ter mais foco.
  • Como ser mais produtiva.
  • Como priorizar atividades.
  • Como equilibrar estudo e trabalho.
  • Como dizer “não”.
  • Como lidar com clientes.
  • Como ter mais coragem?
  • Como tocar uma perfumaria indie?
  • Como cultivar o amor próprio?
  • Como afirmar minha identidade?
  • Como expressar minha identidade?
  • Como meditar?
  • Comunicação Não-Violenta.
  • Como fazer uma horta?
  • Como escrever um livro?
  • Como cozinhar rangos vegetarianos?
  • Como praticar yoga?
  • Como gerir finanças pessoais?
  • Como empreender?
  • Como fazer cosméticos naturais?
  • Como funciona a aromaterapia?
  • Como lidar com a ansiedade?
  • Como criar projetos sustentáveis (pra si e para o mundo)?
  • Como criar seu próprio tênis?
  • Como investigar teorias de urbanismo e mobilidade urbana?
  • Como descobrir a história da minha família?
  • Como dobrar um lençol de elástico?
  • Como funciona a agroecologia?
  • Como mexer com marcenaria?
  • Como mexer com cerâmica?
  • Como amar o que vejo no espelho?
  • Como não bater nas pilastras do estacionamento?
  • Como equilibrar segurança com liberdade?
  • Como ganhar dinheiro dormindo?
  • Como programar?
  • Como desenhar?
  • Como ser subversivo?
  • Como aprender sozinha?
  • Como compartilhar o que eu sei?
  • Como ganhar dinheiro fazendo algo que faça sentido.

É muita coisa, né? Esse foi um registro só dos primeiros 20 comentários. A lista integral você consegue acompanhar na conversa desse link.

Mas é tanta coisa, que parece ser um tanto impossível uma só escola se responsabilizar por oferecer todo esse conteúdo curricular. E de fato é: falta fôrma para tanta informação.

Por mais atraente que a escola dos seus sonhos possa parecer, ela só existe se ela deixar de ser uma idealização. Não adianta mudar de ideia sobre o que diabos você quer da sua vida, sem priorizar uma mudança de como você se comporta diante dela. A idealização é uma paralisia: esperar que tudo isso venha até você, de fato, será frustrante. Principalmente quando o interesse é cem-por-cento seu.

Você muda o papel da educação toda vez que você muda de ideia sobre o que diabos você quer da sua vida. E isso é o cerne de um processo de aprendizagem eficaz e com geração de autonomia.

Pelo outro lado da moeda: assim como a escola, você também não aprendeu como gerir toda essa fluidez de interesses. E isso também faz parte do cerne de um processo de aprendizagem eficaz e com geração de autonomia.

No final das contas, ter uma escola é mais confortável do que ser uma escola. Mas já não é mais seguro.

Seja uma escola.

Tomar a responsabilidade do que é de interesse seu.

Foi nesse contexto que criamos o DOJÔ: a nova escola da Perestroika Belo Horizonte. Em definição, ele é um espaço que se define como: uma vivência para quem quer aprender a se aprender, em sintonia com as mudanças do mundo. Mas não queremos falar s0bre o Dojô, queremos falar sobre o que aprendemos no cerne de um espaço de aprendizagem onde a responsabilidade sobre o processo é, de fato, de todo mundo.

É difícil te dizer o que é o Dojô. E isso não é charlatanismo: de fato não há previsibilidade ou programação sobre o que será vivido ali dentro. Todos os encontros são criados semanas-pós-semana, de acordo com as necessidades que emergem do coletivo. De forma que, à cada semana, todas as pessoas reflitam sobre sua própria lista de interesses.

Lá atrás citamos que: “se você tem a expectativa de que seu professor conseguirá se adaptar para oferecer um conteúdo que preencha as expectativas de uma turma de 40 alunos, cada um deles com diferentes desejos e afinidades — e que, além disso, mudam e ressignificam esses desejos e afinidades de tempos em tempos — você muito provavelmente vai sair dessa frustrado.”

Bom. Agora imagine um espaço onde:

  • não haja a expectativa (tanto dos alunos, quanto do professor sobre si mesmo) de um processo que siga uma receita de bolo;
  • exista espaço para a diferença de desejos e afinidade de todos, sobre si mesmos e sobre a construção do processo — e, mais do que isso, todas elas tenham igual valor, espaço e utilidade para a comunidade como um todo;
  • e que as mudanças e ressignificações que acontecem (individualmente e coletivamente) não sejam um problema, mas sim a construção do próprio processo em si.

Isso abre um campo exponencial de experiências. Um campo aberto para que cada turma e cada pessoa possa atribuir seu próprio significado e sua própria rotina para o processo — transpondo as barreiras da sala de aula.

O Zeitgeist da Educação.

Entre a eficiência e a eficácia: a melhor experiência de aprendizagem possível.

Ouso te dizer que o Dojô foi a mais eficaz experiência de aprendizagem que poderia emergir através da livre-interação entre as pessoas que o viveram: pelo simples fato disso ter sido o coração do processo.

Enquanto a eficiência é definida pela arte de fazer certo alguma coisa (muito ligado à processos operacionais), a eficácia é a arte de fazer as coisas certas (muito ligado à processos de gestão e autonomia).

Quando o foco do processo não é só aprender a fazer certo alguma coisa e sim fazer as coisas certas, os objetivos do processo se tornam múltiplos; e os resultados também. É isso que promove a abundância e gera um ambiente de acolhimento das diferenças e das individualidades.

Sinto que passamos a vida inteira aprendendo a fazer certo alguma coisa, sem nunca pensar em buscar fazer as coisas certas. Sendo que, no final das contas, a melhor forma de aprender a fazer certo alguma coisa é escolhendo a coisa certa para se fazer.

Não sei se existe alguma possibilidade de desvendar a bandeira da educação da nossa era. Mas acredito que, se essa já não é a bandeira, por si só, talvez seja o caminho do nosso inconsciente coletivo até lá.

Mate a sua escola dos seus sonhos.

O segundo passo depois de criar a escola dos seus sonhos.

A primeira turma do Dojô teve seu fim nessa semana passada e, até agora, tivemos uma imensa dificuldade de resumir quais foram seus resultados: cada pessoa geraria uma lista subjetiva, que talvez não fizesse sentido para qualquer pessoa.

Nós não planejamos o que seria vivido ali. Na verdade, a única coisa planejada foi: essa parada alguma hora vai ter que acabar. O maior objetivo de viver a escola dos seus sonhos precisa ser, justamente, conseguir matar a necessidade de que alguém institucionalize essa escola para você. Isso é a tradução de autonomia, quando falamos de educação.

Com isso interiorizado, pouco importa qual vai ser o futuro da educação. Pouco importa se a sala de aula, em massa, ainda é ultrapassada. E, menos ainda, importa onde passaremos os próximos 17 anos da nossa vida.

Se você está ligado no que importa para ti hoje, é porque o que é importante já está sendo feito. Como a Paulinha, que viveu o primeiro ciclo, disse: “O Dojô somos nós quem fazemos. Em qualquer lugar. Basta a gente se conectar.”

E, de fato, isso basta.

Thiago Raydan,
Diretor de Whatever na Perestroika BH
& Criador do Dojô.

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Escola de atividades criativas.

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