A tênue linha
O que te separa de quem está na merda? Spoiler: nada.
Você entra no seu carro, sai da garagem do seu prédio, chega no trabalho e vê num site de notícias. “Em um ano, a pobreza extrema subiu 11% no Brasil”. Os pobres extremos, cujo valor de corte é do Banco Mundial, são pessoas que vivem com 1 dólar e 90 centavos por dia, algo perto de 7 reais. São sete reais pra comer, morar, andar, se vestir, comprar papel higiênico. Viver com o preço de um pouco mais de um terço de Big Mac no Brasil (dá pra pegar o pão e 1,7 hambúguer), segundo o Índice Big Mac da revista The Economist.
Você, obviamente, não é um monstro e isso te toca, é claro. Mas te toca no intangível, no impalpável, quase lá na Síria ou numa tela de cinema: longe demais pra te tirar o sono. Será?
70 milhões de brasileiros consideram impossível levantar R$ 2,5 mil numa emergência extrema. Em 2015, às vesperas, mas antes da crise maior, 70% dos brasileiros não conseguiam cobrir seus custos por 90 dias. Junte a esses dados uma taxa de desemprego de 24,7% (que reúne quem está desempregado, quem gostaria de ter mais trabalho e quem já largou de mão) e talvez esteja na hora de perceber que sem gasolina, você vai a pé como o morador de rua, como o hipster, como o adolescente. De ônibus, como o operário.
E não são só questões de ordem financeira. O Brasil é o país mais ansioso do mundo e, em breve, deve ser o mais depressivo, segundo projeções da Organização Mundial da Saúde.
Há só uma tênue linha que nos separa de casos extremos. Qual é a tua tênue linha? Uma poupança? A casa dos teus pais? Um concurso público? Muitos amigos que não te deixariam na mão? Sorte? Inteligência? Você percebe como essas ligações sólidas são, na verdade, frágeis? Que os privilégios enraizados não são os nossos, pessoais, mas os do sistema em que estamos inseridos? Ando muito pela rua pensando nisso. Qual a história daquele cara dormindo embaixo da marquise? Do imigrante vendendo tênis na calçada? Quando, como esse rede se rompeu?
É claro que alguns de nós têm uma rede mais sólida, enquanto outros se agarram a um fiozinho. Porque são mulheres; são negros; são idosos; estão com problemas de saúde física ou mental; são tudo isso junto. São apenas isso: fios, rompíveis. Num girar da roda, tudo muda.
E qual o ponto aqui, estragar o seu dia? Não é uma reflexão para deixar ninguém triste (ok, talvez deixe). Mas pra mostrar que estamos todos no mesmíssimo barco. Ninguém é intocável, o morador de rua não é um vagabundo que não quis trabalhar, o cara que te pediu dinheiro no semáforo pode ter perdido exatamente isso — a fina linhazinha que te garante casa, trabalho, grana.
Não torce o nariz, não. Estende a mão. Inclui de verdade. Abre vaga para quem não tem aquele currículo top no exterior, mas tem outras vivências. E sabe aquela pessoa que você limou da vida porque considera tóxica? Vê o que é mesmo ser tóxico e o que é parte da vida, de uma pessoa precisar de ajuda, de uma mão. Todos temos nossas dores.
E olha que coisa boa: ser altruísta é bom pra todos nós. O darwinismo sugere que grupos que cooperam entre si são mais bem sucedidos — e potencializa a sobrevivência e o bem-estar de todos. Mas veja que estamos falando de altruísmo — isso significa abrir mão de algo em prol de todos ou de alguém. Inclusive não correr pro supermercado pra comprar tudo antes que outro o faça, viu?
Estamos todos no mesmo barquinho. E o único jeito é remar todo mundo pro mesmo lado. Fortalecer as linhas que nos unem. Quanto mais entrelaçadas, mais difíceis de romper.
- Subversiva, criativa, sensível e do bem! Essa é a Perestroika